Ângela Bittencourt Brasil (*)
Colaboradora
Diz textualmente o art. 49 do Código do Consumidor que
"O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 07 (sete) dias a
contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre
que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do
estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio".
As relações on-line não se afastam do preceito acima
estabelecido pelo Código do Consumidor, posto que o contrato, por sua
característica de livre forma de contratar, é perfeitamente adaptável à
aplicação analógica das normas ora existentes às peculiaridades apresentadas
pelos contratos eletrônicos.
Sendo o contrato como uma espécie do gênero negócio
jurídico, que depende para a sua concretização do encontro da vontade das
partes, ele cria para ambas as partes uma norma jurídica individual reguladora
de interesses privados e sem dúvida que também cria direitos e obrigações para
as partes. É a aplicação do brocardo latino "pacta sunt servanda".
Como em qualquer outro contrato feito em ambiente
formal, os contratos virtuais contêm os requisitos subjetivos de validade que
fazem o seu cumprimento obrigatório, e, portanto sujeito às normas do Código do
Consumidor. Assim, a existência de duas ou mais pessoas presentes ao acordo, a
capacidade genérica das partes contratantes para os atos da vida civil, a
aptidão específica para contratar, e o assentimento das partes contratantes
estão igualmente presentes nos contratos eletrônicos, não havendo qualquer
impeditivo para a avença.
Entre ausentes - No pré citado artigo, sendo o acordo
feito dentro ou fora da Internet, por meio de telefone, fax, carta ou
pessoalmente o prazo será de sete dias, conforme o estabelecido. No caso, temos
que considerar este tipo de acordo como contrato entre ausentes, o que não muda
em nada sobre o que estamos discorrendo.
A questão a ser debatida aqui é: a partir de que data
exata esses sete dias serão contados? Ou seja, em que momento o contrato é
concluído, e como podemos auferir o dia do seu desfazimento. Isto é de suma
importância para as relações comerciais cibernéticas, porque este prazo é fatal
para o cancelamento do negócio e, segundo a lei, passados os sete dias, o
acordo não poderá ser desfeito sem que haja uma penalidade civil para o
descumprimento ou desistência.
Se tomarmos os contratos não virtuais veremos que a
eficácia da desistência dependerá dela ser recebida antes ou conjuntamente à
proposta ou aceitação. Se o meio empregado para a notícia do desfazimento for
os correios, isso não seria difícil de se materializar, porque o envio de um
telegrama resolveria a questão por sua forma rápida de comunicação. Ocorre que
nos contratos via Internet, as propostas são feitas normalmente por e-mail, e
tanto o envio da proposta quanto a aceitação são feitos quase que
instantaneamente.
O Código do Consumidor, ao estabelecer o prazo de sete
dias para a desistência, parece que estava prevendo os casos possíveis de
ocorrer com os contratos on-line, porque o tempo fixado é suficiente para que a
mensagem eletrônica noticiando o cancelamento chegue ao seu destino.
Momento - Mas o ponto nodal da questão é saber em que
momento começa a se contar o dia em que uma das partes enviou a notícia do
desfazimento. Seria no momento da recepção da mensagem pelo provedor, na hora
em que o provedor descarrega a mensagem no e-mail do receptor? Como dissemos
acima, esta questão é muito importante, porque dela depende uma sanção para uma
das partes, como conseqüência.
Suponhamos que o computador do ofertante tenha
quebrado, ou tenha havido um problema com a conexão do provedor. É claro, estes
obstáculos não podem servir de base para prejudicar o desistente e por isso
entendemos que a melhor solução seria considerar o e-mail recebido quando há a
descarga do arquivo no computador daquele a quem é feita a desistência, isto é,
quando o provedor puder comprovar que o e-mail foi enviado e recebido.
Assim, se alguém faz um pedido de compra no dia 1, ele
tem até o dia 7 para enviar por e-mail o seu arrependimento e, mesmo que o
vendedor só abra a sua caixa postal no dia 10, o negócio pode ser considerado
desfeito. O mesmo procedimento deve ser feito para a reclamação dos vícios dos
produtos recebidos, ou os mesmos sete dias se o pedido não for entregue neste
prazo.
Aplicação perfeita - Como vemos, a teoria dos
contratos e as normas legais de defesa do consumidor são ferramentas
perfeitamente aplicáveis aos contratos de compra e venda feitas por meios
virtuais, aplicando-se desde a teoria da agnição, na modalidade expedição, e da
cognição, esta última constituindo-se em exceção à regra geral.
Para lembrar, a teoria da agnição ou declaração, é
aquela que entende por concluído o contrato no instante em que o comprador
manifesta sua aquiescência à proposta. Dentro desta teoria temos a modalidade
da expedição, pela qual não basta a formulação da aceitação, sendo
indispensável a sua remessa da aquiescência ao ofertante, quando então podemos
dizer que o comprador cumpriu todas as etapas para externar o seu
consentimento.
Nos contratos eletrônicos, entendemos que a aceitação
é dada quando o comprador envia ao solicitante o número do seu cartão de
crédito, para a transferência do valor da mercadoria que pretende adquirir. A
da informação ou cognição, segundo a qual o contrato é tido por concluído no
momento em que o vendedor toma ciência da aceitação do comprador. Isto ocorre
porque não se pode dizer que um negócio jurídico esteja concluído sem que as
partes tomem ciência da vontade um do outro.
Concluindo, diremos que o Código do Consumidor, em
toda a sua extensão, se aplica analogicamente aos contratos virtuais porque, se
não existe ainda uma lei determinando a forma do contrato virtual, então será
ele válido, desde que não contrário ao Direito. Temos apenas que interpretá-lo
corretamente.
(*) A colunista Ângela Bittencourt Brasil é membro do
Ministério Público do Rio de Janeiro e editora do site Ciberlex, especializado
em Direito de Informática.
http://www.novomilenio.inf.br/ano01/0102c019.htm
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