As relações de consumo evoluíram muito com o passar o
tempo, o que refletiu imediatamente nas relações sociais, econômicas e
jurídicas. Diante desta evolução a tutela do consumidor ganhou destaque,
principalmente as tutelas coletivas, que buscam a celeridade e o desafogamento
do judiciário.
Por Iohanny Ratti Pinto
1 INTRODUÇÃO
Com o aumento da capacidade produtiva mundial, o
crescimento das relações de consumo foi apenas uma consequência inequívoca. A
publicidade veio para resolver essa necessidade em divulgar produtos e serviços
e para convencer os consumidores, seu público alvo.
Com o avanço das indústrias automobilísticas no Brasil
e a necessidade de divulgação de seus produtos, tendo em vista a acirrada
concorrência, essas normas deram margem à criação de algumas lacunas, que foram
preenchidas pelo Termo de Ajustamento de Conduta das Publicidades Automotivas,
objeto de estudos deste trabalho.
A escolha do tema deve-se as relevantes crescentes de
indagações no que tange à regulamentação de publicidade automotiva, e é de suma
importância, já que não há notícias de um estudo direcionado a respeito do
tema.
As relações de consumo evoluíram muito com o passar o
tempo, o que refletiu imediatamente nas relações sociais, econômicas e
jurídicas. Diante desta evolução a tutela do consumidor ganhou destaque,
principalmente as tutelas coletivas, que buscam a celeridade e o desafogamento
do judiciário.
O artigo 81 do CDC tratou de diferenciar e conceituar
os três institutos coletivos: interesses ou direitos difusos, interesses ou
direitos coletivos e interesses e direitos individuais homogêneos. Os três têm
estrita ligação, porém precisam de merecida atenção para que sejam devidamente
diferenciados entre si. As discrepâncias podem ser observadas com mais
facilidade quando exemplificadas: a) interesses individuais homogêneos:
compradores de um determinado carro que saiu de fábrica com o mesmo defeito de
fabricação em todos os veículos; b) interesses coletivos: ilegalidade de um aumento
nas prestações de consórcio; c) interesses difusos: os destinatários de uma
propaganda ou publicidade dada como enganosa.
O interesse difuso, em especial, tem como
características a indeterminação do sujeito, a falta de vínculo jurídico entre
eles e a indivisibilidade de um bem jurídico comum a todos. Portanto, não há
como delimitar precisamente seus contornos, “eles são ideais, são sentimentos
coletivos ligados a valores parajurídicos (o ‘justo’, o ‘equitativo’, o
‘natural’), insuscetíveis de se apresentarem em forma coesa, uniforme.[1]
Tomaremos como exemplo o caso da poluição do ar na
cidade de São Paulo, onde a) seria impossível determinar o número de moradores
que são afetados pelo ar em más condições, b) é paradoxal, mas indispensável,
dizer que o objeto pertence a todos e a ninguém ao mesmo tempo, pois é possível
individualizá-lo e distribuí-lo conforme o quinhão de cada um e c) mesmo que
todos os moradores da cidade tenham a residência em comum, podem nem se
conhecer, não tendo vínculo algum. [2]
Os direitos relativos à publicidade enganosa, abusiva
ou omissa, portanto, são difusos.
2.1 TUTELA DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM DEFESA DOS DIREITOS
DIFUSOS DO CONSUMIDOR
Desde que os estudos sobre interesses difusos e
coletivos ganharam força, o MP tornou-se o destinatário natural da proteção
desses interesses, porém, não exclusivo. O MP apenas é considerada a
instituição mais habilitada para a defesa dos direitos da coletividade entre
tantos outros que fazem parte de um sistema de proteção, em que há atuação
integrada de diversos órgãos.
O artigo 1º do CDC cita que o Código estabelece
normas: “de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse
social [...]”[3]. Ao confrontarmos tal artigo com o citado 127 da Constituição
Federal de 1988, podemos observar convergência entre eles: o MP deverá intervir
sempre que se discutam relações de consumo, pois essas são de interesse social
e encontra-se legitimado para exercer a defesa coletiva do consumidor no artigo
82 do CDC: “para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados
concorrentemente: I - o Ministério Público. [...]”[4].
Porém, o CDC só tratou das questões processuais
referentes à defesa dos direitos individuais homogêneos e para cuidar dos
interesses difusos e coletivos, usa-se a Lei nº 7.347/85, que disciplina a ação
civil pública.
A referida lei, conforme seu art. 5º, §6º, legitimou o
MP a ajustar termo ou compromisso de conduta (TAC), que tem a finalidade de
prevenir e solucionar consensualmente conflitos supraindividuais. Portanto, o
MP adota essa medida como estratégia no desempenho de suas atribuições,
conforme art. 127 da CF, tornado-as mais eficientes e dinâmicas.
3 PUBLICIDADE DA INDÚSTRIA AUTOMOTIVA
Os periódicos brasileiros constantemente relatam
números emergentes quanto ao dispêndio de valores com o mercado
automobilístico, que alavanca a economia nacional. Prova são os inúmeros
lançamentos de novos automóveis e a imigração de marcas mundiais em solo
brasileiro.
Muitas vezes, para atrair seus clientes e enfrentar a
concorrência, as montadoras, concessionárias e revendedoras de veículos
utilizam de apelo emocional, persuasivo, e a atração e o estímulo que a
publicidade desperta no consumidor pode induzi-lo a erro e causar danos
materiais e morais a toda coletividade, pois mesmo que atinja a esfera privada,
os riscos são difusos e coletivos[5], provocando os órgãos competentes à
regular tal ação.
O próprio Conselho Nacional de Autorregulamentação
Publicitária (CONAR), na década de 70, em seu Código Brasileiro
de Autorregulamentação Publicitária, anexo “O”, já previu algumas regras.
Perante o CONAR, aliás, durante o ano de 2011, foram
instaurados 325 processos que visam a readequação da publicidade lançada. Desse
montante, a publicidade de veículos, peças e acessórios diz respeito à
porcentagem de 9%, o que significa 28 processos referentes ao assunto[6].
Com a chegada do CDC, em 1990, a publicidade
tornou-se fonte de obrigações e foi vetada qualquer espécie de publicidade
enganosa e abusiva, prevendo sanções penais e administrativas a quem
desrespeitasse.
4 TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA DA PUBLICIDADE
AUTOMOBILÍSTICA NO BRASIL
Aos 30 dias do mês de agosto do ano de 2010 foi
assinado o Termo de Ajustamento de Conduta entre os Ministérios Públicos do
Estado do Paraná, Distrito Federal, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Santa
Catarina e Amapá e 24 empresas do setor de importação e/ou fabricação
automobilística do Brasil, bem como a Associação Nacional do Ministério Publico
do Consumidor (MPCON), com a finalidade de regular a publicidade deste
setor[7].
Em 16 de setembro do mesmo ano, o TAC foi referendado
pelos estados de Goiás, Bahia, Maranhão, Acre, Ceará, Alagoas, Roraima, Mato
Grosso do Sul, Minas Gerais e Paraíba.
Ficou acordado, então, que as compromissárias
(indústrias) deixariam de veicular, a partir do dia 30 de outubro do ano de
2010, toda publicidade que estivesse em desconformidade com o TAC.
O site do periódico paranaense, Gazeta do Povo, após
acompanhar a reunião em que o TAC foi assinado, ressaltou, de maneira
abreviada, o que considerou as principais alterações nas propagandas de
veículos, que valem para meios impressos, televisão, rádio e internet:
Letras
Cores: em propagandas impressas em que aparecem preços
deverão ser usados caracteres com tamanho uniforme, não expondo preços com cores
e letras iguais ou semelhantes ao fundo, nem caracteres apagados, rasurados ou
borrados, visando a legibilidade;
Espaço: os caracteres não podem se encostar e a
tipografia deve priorizar o estilo regular;
Tamanho: as letras passam a ter tamanho mínimo (1,4 mm ), com o máximo de 90
caracteres a cada 10 cm
de linha. O espaço entre as linhas devem ter no mínimo 3,15mm.
Informações
Parcelas: quando o pagamento não for à vista a
publicidade deve informar o valor da entrada, número e valor das parcelas a serem
pagas, preço final do veículo, taxa de juros e eventuais acréscimos. Todas
essas informações devem fazer parte do “texto legal”;
Frete: quando o valor do frente não estiver incluso no
preço do produto, a publicidade deverá usar a expressão “mais frete”;
Posicionamento: o preço deverá estar visivelmente
ligado ao produto anunciado;
Imagens: nas publicidades impressas poderão ser usadas
fotografias, desenhos ou qualquer espécie de representação gráfica, desde que o
preço e as características informadas correspondam ao produto. Na televisão, se
não houver correspondência de preço com a imagem, deverá ser informado com o
mesmo destaque que “este veículo possui versões a partir de” determinado preço.
Alterações: deve constar na propaganda que as promoções,
taxas e preços promocionais podem sofrer alterações sem aviso prévio;
Validade: os anunciantes poderão estipular um prazo de
validade da oferta, seja por data ou pela expressão “enquanto durarem os
estoques”, sendo informada a quantidade de produtos no estoque;
Multa
Valor: o não cumprimento da lei será punido por uma
multa de 30% do valor da publicidade irregular.[8]
Vários dos princípios do Direito do Consumidor são
assegurados nesse documento: princípio da veracidade, informação, boa fé,
legalidade, entre outros. Também traz o princípio da legibilidade, ou seja, “a
eficiente leitura de uma página impressa requer que o leitor converta, o mais
rápido possível, símbolos tipográficos — caracteres — em conceitos”[9].
Evidente é o princípio da informação, que cumpre uma
“função informativa, levando ao conhecimento do público a existência de
produtos e serviços destinados ao suprimento das necessidades humanas”[10], mas
não só isso, a informação que o consumidor espera é aquela relativa aos
proveitos e aos preços e condições daquilo que está sendo oferecido.
Ao TAC é conferida natureza de título executivo
extrajudicial, com fundamento na LACP, art. 5º, § 6º. Sendo assim está
dispensada a fase cognitiva processual, caso as compromissárias descumpram o
estabelecido, obtendo-se a imediata execução da obrigação disposta no
documento.
Contém também as penalidades pelo descumprimento do
acordado: será imposta multa no montante correspondente a 30% do custo da
respectiva campanha, observado o limite mínimo de R$30.000,00 (trinta mil
reais) e máximo de R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), sem prejuízo de
outras sanções cabíveis.
Deve-se levar em consideração a ânsia do consumidor em
despender grande quantia de dinheiro para realizar a compra de um bem de alto
custo.Tudo isso com a finalidade de que sejam protegidos os direitos difusos da
coletividade consumidora.
5 CONCLUSÃO
Conforme esperado, com o passar do tempo e a
concorrência acirrada entre montadoras e concessionárias que precisam
destacar-se no mercado para anunciar seus produtos, surgiram algumas lacunas na
regulamentação da publicidade frente o consumidor. De sorte que o Ministério
Público, usando de sua legitimidade e do status de instituição mais adequada
para defender os direitos da coletividade, tomou compromisso de ajustamento de
conduta das indústrias automobilísticas e/ou importadoras de automóveis do Brasil
para regulamentar a situação, prática prevista na Lei de Ações Civis Públicas,
n° 7.347/85, art. 5°, § 6°.
São respeitados, entre outros, o princípio da
legibilidade, o princípio da informação e transparência, da boa-fé, da
veracidade, da legalidade, da vinculação contratual trazidos pelo Direito do
Consumidor e pela publicidade.
Ademais, são impostas penalidades pelo descumprimento,
medida que visa coibir as empresas de divulgarem publicidades que vão contra ao
TAC firmado sem que haja necessidade de o consumidor demandar em face da
anunciante.
Não se trata aqui de ceifar a criatividade dos
publicitários, mas de propor-lhes então um desafio: anunciar os veículos de
maneira suficientemente atrativa e criativa, mas respeitando os direitos
daqueles que são, acima de tudo, seus principais alvos: os consumidores.
Informações pouco objetivas, errôneas, tendenciosas e
que confundem o consumidor na hora de comprar o que foi anunciado, são praticas
vedadas no ordenamento jurídico e que deverão ser observadas pelos anunciantes.
O que se preza é a boa relação entre o consumidor e o fornecedor.
Diante de toda a exposição colacionada neste trabalho,
é possível concluir que o termo de ajuste de conduta das publicidades
automotivas demonstrou grande importância no cenário dos direitos do
consumidor, preenchendo as lacunas deixadas sobre este específico mercado, que
só tende a crescer: o publicitário automobilístico.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor: Lei nº 8.078.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>.
Acesso em 31 mai. 2012.
BRASIL. Constituição Federal do Brasil de 1988.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.
Acesso em: 31 mai. 2012.
CONAR – Conselho Nacional de Autorregulamentação
Publicitária. Conar em
números. Disponível em http://www.conar.org.br>. Acesso em
30 abr. 2012.
HEITLINGER, Paulo. O que é legibilidade? Disponível em
<http://tipografos.net/boas-praticas/que-e-legibilidade.html>. Acesso em
30 abr. 2012.
JACOBINA, Paulo Vasconcelos. Publicidade no direito do
consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos,
Conceito e legitimação para agir. São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 1994.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ. Termo de Ajustamento de
Conduta. Disponível em
<http://www.consumidor.caop.mp.pr.gov.br/arquivos/File/montadoras/tac_montadoras.pdf>.
Acesso em 28 abr. 2012.
NASCIMENTO, Alexandre Costa; CICONETTO, Franciele.
Publicidade de carros vai seguir norma mais rígida. Gazeta do Povo. 31 ago.
2010. Disponível em:
<http://www.gazetadopovo.com.br/economia/conteudo.phtml?id=1041635>.
Acesso em 28 abr. 2012.
PASQUALOTTO, Adalberto. Os Efeitos Obrigacionais da
Publicidade no Código de Defesa do Consumidor. V. 10. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997.
[1] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos,
Conceito e legitimação para agir. São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 1994,
p.122.
[2] SOUZA, Motauri Ciocchetti de. Interesses difusos
em espécie: temas de direito do consumidor, ambiental e da lei da improbidade
administrativa. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 147.
[3] BRASIL. Código de Defesa do Consumidor: Lei nº
8.078. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em 31 mai.
2012.
[4] Ibid.
[5] JACOBINA, Paulo Vasconcelos. Publicidade no
direito do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p.89.
[6] CONAR – Conselho Nacional de Autorregulamentação
Publicitária. Conar em
números. Disponível em http://www.conar.org.br>. Acesso em
30 abr. 2012.
[7] MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ. Termo de Ajustamento
de Conduta. Disponível em <http://www.consumidor.caop.mp.pr.gov.br/arquivos/File/montadoras/tac_montadoras.pdf>.
Acesso em 28 abr. 2012.
[8] NASCIMENTO, Alexandre Costa; CICONETTO, Franciele.
Publicidade de carros vai seguir norma mais rígida. Gazeta do Povo. 31 ago.
2010. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/economia/conteudo.phtml?id=1041635>.
Acesso em 28 abr. 2012.
[9] HEITLINGER, Paulo. O que é legibilidade?
Disponível em
<http://tipografos.net/boas-praticas/que-e-legibilidade.html>. Acesso em
30 abr. 2012.
[10] PASQUALOTTO, Adalberto. Os Efeitos Obrigacionais
da Publicidade no Código de Defesa do Consumidor. V. 10. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997, p. 92.
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